domingo, 27 de dezembro de 2009

Juiz absolve preso processado por pintar citações bíblicas na cela

Princípio da insignificância e a falta do que fazer do Ministério Público



"Com todo respeito à coisa pública e aos doutos operadores do direito na bucólica e aprazível Comarca de Mangaratiba, que já se manifesta ao longo de mais de 11 (onze) anos de exercício deste Julgador, aqui e na Capital, o PODER JUDICIÁRIO TEM MAIS O QUE FAZER!!!!! "(CLÁUDIO FERREIRA RODRIGUES Juiz de Direito)


Várias teorias acerca do Direito Penal já acolhem o princípio da insignificância. Uma das correntes mais recentes do Direito Penal (1970), a teoria funcionalista, defende o princípio chamado de Direito Penal Mínimo. Este princípio declara como sendo características imanentes ao Direito Penal a fragmentabilidade e subsidiariedade, isto é, o direito penal somente deverá coibir ataques intoleráveis aos bens mais importantes e isso somente quando outro ramo do direito não resolve o conflito satisfatoriamente (ultima ratio).


A despeito do nosso Código Penal (que é metade de 1940 e metade de 1989) adotar a teoria finalista, o STF já acolheu o princípio da insignificância. Claro que o aplicou como excludente de punibilidade e não de tipicidade, como defende Claus Roxin e seus seguidores, mas mesmo assim o aplicou.


Nada mais coerente. Não se pode admitir que o Judiciário fique abarrotado de ações penais inócuas! É necessário se atentar para as duas características da tipicidade: material e formal. Nem tudo que se amolda ao tipo poderá ser considerado materialmente formal por não atacar bens juridicamente relevantes. Exemplo? Uma senhora rouba uma manteiga. O fato é típico. Se amolda perfeitamente ao tipo descrito no 155 do CP. Mas cá entre nós, a lesão jurídica foi realmente relevante a ponto de justificar a movimentação da máquina Judiciaria? Resposta: PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.


Um exemplo fresquinho? O juiz Claudio Ferreira Rodrigues da Comarca de Mangaratiba certamente levou um susto quando recebeu a denúncia apresentada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro: o pintor Claudenício da Silva Rosa, de 24 anos, foi acusado por dano contra o patrimônio público. Motivo? Em maio de 2006 quando estava preso na 165ª DP ele escreveu citações bíblicas na parede da cela. O representante do Ministério Público então o denunciou por dano ao patrimônio Público.


Bem, resumindo bastante - mesmo porque a sentença vai na íntegra no final do artigo - o Juiz Claudio em uma sentença indefectível lembrou ao digníssimo representante do ministério público que o fato não deverá ser apenas formalmente típico, mas também MATERIALMENTE típico, isto é, tipicidade conglobante!


De quebra disse que a cela já estava precisando de pintura antes mesmo do detento escrever citações bíblicas, e que, ainda assim, estas eram bem melhores que citações de apologia a facções criminosas que geralmente vemos nos presídios.


Fechou com chave de ouro, com um grande e em CAPS LOCK "O JUDICIÁRIO TEM MAIS O QUE FAZER"



Certamente o Ministério Público tem o dever de agir quando ocorre um fato típico e antijurídico. Mas, o que o impede de aplicar no nascedouro da ação o princípio da insignificância? Por que movimentar o judiciário para ao final termos uma sentença dessa? Cabe aos doutos representantes do Ministério Público começar a se preocupar com o que realmente merece atenção e desistir da idéia de que são obrigados a ingressar com uma ação penal pública, mesmo que o fato seja FORMALMENTE lícito, para no final levar um esporro como o que esse promotor levou. Eu enfiava minha viola no saco e iria cantar em outras paragens.


Para quem estiver curioso, vai o esporro, digo, sentença na íntegra.




COMARCA DE MANGARATIBA JUÍZO DE DIREITO DA VARA ÚNICA

Processo: 2007.030.001224-2

Acusado: CLAUDENÍCIO DA SILVA ROSA


Vistos, Ofertou o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, através de seu douto Promotor de Justiça à época em exercício nesta Comarca, a presente ação penal em desfavor do senhor Claudenício da Silva Rosa, qualificado às fls. 03, alegando que:


No dia 29 de maio de 2006, em horário não precisado, no interior da carceragem da 165ª DP - Mangaratiba, nesta Comarca, o denunciado, consciente e voluntariamente, com uso de instrumento metálico, inseriu inscrições diversas, removendo a pintura da parede da carceragem, danificando patrimônio público. Observe-se que a unidade estava recém inaugurada, tendo sido a cela recebida em perfeitas condições, que proporcionavam conforto aos acautelados, o que perdurou até a conduta do denunciado.


Assim agindo, está o denunciado incurso nas penas do artigo 163, parágrafo único, inciso III, do Código Penal´. (sic) A denúncia, que foi recebida às fls. 74 em 27 de setembro do ano pretérito, foi instruída com os documentos de fls. 02-C/73. Na assentada de fls. 91/92 foi interrogado o acusado, ocasião em que o mesmo admitiu o fato denunciado, confirmando ter inserido na cela 01 da carceragem da Delegacia de Polícia da cidade de Mangaratiba as inscrições bíblicas.


Pelo Juízo foi realizada inspeção judicial, conforme documentos acostados às fls. 9499. O sumário de acusação foi registrado na assentada de fls. 104, ocasião em que foi ouvido o policial Mauro Tadeu Pereira Ribeiro, conforme termo de fls. 105.


A diligência determinada na assentada foi executada com os documentos juntados às fls. 106/109. Encerrada a instrução, o Ministério Público ofereceu suas alegações finais às fls. 111/114 e pugnou pelo parcial acolhimento da pretensão punitiva nos termos formulados na denúncia. A defesa, por seu turno, reiterando manifestação de fls. 10, v, ofertou derradeiras alegações às fls. 116/121 e pugnou pela improcedência da pretensão, argumentado com a atipicidade da conduta imputada, tendo em vista a falta de dolo do acusado.


É o necessário relatório. Passo a decidir: Cuida-se de ação penal deflagrada para perseguir suposta infração penal material, que teria deixado vestígios no mundo físico, sendo imperiosa a prova da materialidade para que se possam estudar os demais elementos do crime e a respectiva autoria. A materialidade foi comprovada pelo auto de exame de local acostado às fls. 50 e 64.


Conquanto verificada a autoria, com todo respeito ao douto órgão de execução do Ministério Público, a pretensão não merece ser acolhida. Isto por uma infinidade de motivos. A tipicidade de qualquer delito tem que ser material, já que em harmonia deve estar com todo o ordenamento jurídico vigente. Assim é que, conglobadamente, para produzir feitos na orbita penal, o fato não pode ser incentivado ou permitido pela ordem pública. Muito menos por ela exigida. No caso em tela, a certidão de fls. 109 pecou pelo excesso.


Não era a integralidade da cela que precisava ser pintada em razão do ato do acusado. Não! A pintura do cárcere em sua integralidade passou a ser necessária somente por desídia da Autoridade Policial, que permitiu chegasse o dano à cela ao estado retratado às fls. 94/99. O Policial ouvido às fls. 105 disse desconhecer que outro inquérito tenha sido instaurado para perseguir dano às instalações da Delegacia.


Assim, se justa fosse a denúncia, também a Autoridade Policial deveria ocupar o pólo passivo de outra ação penal, pois deixou a mesma de praticar ato de ofício, supostamente para satisfazer interesse pessoal. É! Qual a razão de só o acusado ser indiciado? E as outras inscrições no cárcere, contendo toda sorte de agressões verbais ao Estado de Direito. Por que motivo somente as inscrições dos salmos bíblicos seriam crime? Acaso não seria também crime a apologia às facções criminosas, a agressão à Magistratura, ao Ministério Público ou à Secretaria de Segurança Pública? Não teve a mesma exação o Estado policial!


Por outro lado, como já antes anotado, não seria necessário à reposição do estado anterior da coisa danificada o dispêndio do recurso econômico registrado na certidão de fls. 109. Para cobrir os provérbios bíblicos, que ficaram ou ficariam bem melhores do que o incentivo às facções criminosas, menos da décima parte dos recursos indicados na referida certidão. A tanto bastaria uma leve camada de maça acrílica, que estaria seca em menos de 10 (dez) minutos, uma lixada também muito leve e uma simples demão, com pincel, na cor da tinta das paredes na forma originária. Desnecessários os 02 (dois) dias da certidão.


O serviço, inclusive, poderia ser feito pela zeladoria do órgão público, justificando assim sua existência. Neste sentido, seja pela permissão do Estado custodiador, seja pela bagatela do alegado dano, que é uma irrelevância, não foi preenchido o juízo material de tipicidade do fato imputado. Por outro lado, como bem pontificou a nobre defesa, que deve ser elogiada em razão dos profissionais que integram o quadro da aguerrida Defensoria Pública, não houve comprovação de que o acusado agiu com o propósito de provocar dano ao patrimônio público. Muito pelo contrário.


A ação denotou que o mesmo se mostrou preocupado com aqueles que viriam depois de sua pessoa, no conforto do cárcere nas palavras da denúncia. Nenhum cárcere é ou deve ser confortável. O plantão judiciário já provoca ausência de pessoas ilustres. Mas não a desse Julgador, quero registrar. Imagine a prisão, ainda que transitória. Conseguintemente, por todos os ângulos em que é possível olhar, na visão deste signatário, não se enxergou, neste caso concreto, fato suscetível de sanção penal.


Tudo isso em prejuízo dos outros processos que a própria Autoridade Policial disse somente ser possível diligenciar pelo critério de prioridade (fls. 65/66). Com todo respeito à coisa pública e aos doutos operadores do direito na bucólica e aprazível Comarca de Mangaratiba, que já se manifesta ao longo de mais de 11 (onze) anos de exercício deste Julgador, aqui e na Capital, o PODER JUDICIÁRIO TEM MAIS O QUE FAZER!!!!! Posto isto e na forma do artigo 386, III, do Código de Processo Penal, considerando que em absoluto o fato imputado, malgrado sua ilicitude, não constitui crime, JULGO IMPROCEDENTE A PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO para ABSOLVER CLAUDENÍCIO DA SILVA. Anote-se e comunique-se. Depois da preclusão, baixa e arquivamento. P.R.I. Mangaratiba, 20 de agosto de 2.008. CLÁUDIO FERREIRA RODRIGUES Juiz de Direito.
Fonte: Blog da Themis

Resumo da Ópera: Às vezes me pergunto o porquê de tanta insatisfação e desconfiança da sociedade para com o judiciário, uma vez que, para o acesso deste, o candidato deve ter NOTÁVEL SABER JRÍDICO e REPUTAÇÃO ILIBADA, ou seja, além de grande conhecimento da ciência específica com a qual irá trabalhar, o candidato deve ter excelente conduta na sociedade em todos os sentidos e tudo comprovado em investigação social. Esse tratamento não ocorre com o LEGISLATIVO e EXECUTIVO e tudo acaba sendo julgado como "farinha do mesmo saco". É triste! Mas razoável. É desproporcional a comparação entre legislativo e judiciário, mas uma sentença como esta mostra que há muito o que se fazer e o combate aos verdadeiros criminosos e a preocupação com a verdadeira justiça prossegue indelével.

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